Juízes e desembargadores não entenderam nada ainda sobre guarda compartilhada

Juízes e desembargadores não entenderam nada ainda sobre guarda compartilhada


Mesmo após a aprovação da lei que torna regra a aplicação da guarda compartilhada, muitos juízes e desembargadores ainda insistem em manter a cultura antiquada de conceder a guarda apenas a um dos genitores – em cerca de 90% dos casos, a mãe. Seja em acórdãos ou em falas públicas, muitos magistrados insistem em extrapolar a função de aplicar a lei e tentam se colocar como legisladores. Com isso, expõem total ignorância em relação à importância, para o desenvolvimento da criança, de manter o convívio com ambos os pais após o divórcio.
A lei 13058/14, que entrou em vigor em dezembro do ano passado, visava quebrar essa mentalidade ao estipular a obrigatoriedade de instituir a guarda compartilhada sem dar chance à interpretação. Episódios recentes, no entanto, têm mostrado que essa decisão ainda não foi totalmente compreendida por parte do Judiciário. Há poucas semanas, o congresso sobre o tema na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o desembargador Luiz Fernando Salles Rossi violentou a legislação. Comparou as crianças favorecidas pela guarda compartilhada com “crianças mochileiras”.
Sem dúvida, uma fala preconceituosa e discriminatória. No começo do ano, um acórdão no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) também chocou especialistas ao conceder a guarda unilateral. Em um momento, um magistrado chegou a se pronunciar dizendo que continuava “muito resistente à determinação legal da imposição da guarda compartilhada quando não há consenso”, sendo que a própria lei determina que “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada a guarda compartilhada.” Esse descumprimento da lei por parte de alguns juizes, se não for sanado rapidamente, pode comprometer o futuro de muitas crianças.
Para a juíza Angela Gimenez, da 1ª vara de família de Cuiabá e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) do Mato Grosso, falar que o filho é “mochileiro” é tratar a dinâmica da guarda compartilhada de maneira pejorativa. “Não se pode admitir deixar a criança infeliz, sem o contato com o pai ou a mãe, apenas para garantir que ela fique morando todo o tempo em uma só casa”, afirma.
Angela também esteve presente no congresso da Alesp e foi ovacionada ao expor uma visão moderna, civilizada e comprometida dos direitos dos menores. “Muitas pessoas não se colocam contra a lei, mas começam a desvirtuar, a criar subterfúgios para desmerecê-la”, diz. “A legislação vem para dizer que, apesar de os pais morarem em casas separadas e a comunicação não ser muito boa, não pode haver alteração na relação de parentalidade entre eles e as crianças.” Angela ainda chama a atenção para a chamada “indústria do litígio”, o que estaria dificultando a aplicação correta da lei 13058/14.
“Os dados nos remetem a imaginar que o compartilhamento entre pai e mãe não vem sendo tão aceito porque nos processos de separação há uma indústria envolvendo cifras bastante grandes. Por isso, parece não haver um esforço pelo consenso.”
O fato de agentes do Direito tratarem com descaso e até preconceito a lei da guarda compartilhada tem irritado o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), autor do projeto. Ele tem orientado as pessoas prejudicadas por esses juízes e desembargadores a não ficarem calados. “Quando o juiz não cumprir a lei, deve-se representar contra ele no Conselho Nacional de Justiça”, afirma o deputado.
Sobre o acórdão do TJRS, o advogado especialista em direito de família Marco Antônio Lopes de Almeida alerta para o fato de os magistrados usarem os laudos psicológicos como palavra final para concessão da guarda unilateral. “Quem tem de tomar a decisão é o juiz, não o psicólogo”, afirma.

Para Almeida, quando o judiciário toma esse tipo de decisão, passa um recado perigoso. “É como se eles estivessem dizendo para, em vez de ter consenso, criar o litígio. Porque nesse caso haverá um laudo e, baseado nele, a constatação que não pode haver compartilhamento.” Ou seja, a parte que briga pela guarda unilateral é levada a começar um processo litigioso e o juiz vê no laudo uma possibilidade de ir contra a lei. Segundo Almeida, 99% das celeumas da guarda compartilhada estão relacionada a laudos. 
Aqueles que se posicionam contra a guarda compartilhada também estão dando as costas para pesquisas feitas em todo o mundo, mostrando a importância de garantir à criança a convivência com pai e mãe após a separação. Alguns dos mais recentes e arrojados estudos foram apresentados em julho de 2014, durante uma conferência internacional na Alemanha sobre o tema. Ao final, seis consensos foram apresentados mostrando que a guarda compartilhada não só é a situação ideal, como pode ser aplicada inclusive nas famílias em conflito.
A juíza Angela Gimenez levanta outra questão relacionada à emancipação da mulher e ao preconceito em relação ao homem no seu papel de pai. “A guarda compartilhada fortalece a igualdade parental, que joga por terra alguns mitos, como a de que a maternidade é mais importante que a paternidade. Isso é preconceito que diminui e desqualifica a dignidade do homem.” 



Istoé 

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