Reforma política oculta origem das doações a candidatos, dizem analistas

Reforma política oculta origem das doações a candidatos, dizem analistas


Um trecho do projeto de lei da reforma política recém-aprovado pelo Congresso deverá impedir que os eleitores saibam quais empresas financiam a campanha de candidatos, segundo especialistas ouvidos pelo G1.
Caso o texto seja sancionado pela presidente Dilma Rousseff como aprovado pelo Legislativo, alertam, ficará oficializada a chamada "doação oculta", confrorme destacou a edição desta segunda-feira do jornal "O Estado de S. Paulo".

As mudanças aprovadas pelo Congresso limitaram as doações de empresas somente aos partidos políticos, vedando aquelas feitas diretamente aos candidatos, como permitido atualmente. Mesmo com a possibilidade de doar aos políticos, muitas empresas doam aos partidos, que, por sua vez, repassam os valores aos candidatos.
Uma resolução aprovada no ano passado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), porém, exige que, nesses casos, a origem da doação repassada pelo partido ao candidato seja identificada, permitindo que se saiba quais empresas financiaram a campanha do político individualmente.
 A redação final do texto, aprovada na Câmara, acaba com esse rastreamento. Pelo texto, ficou definido que os valores repassados pelos partidos aos candidatos serão declarados somente como doação das próprias legendas, "sem individualização dos doadores".

O ministro do TSE João Otávio de Noronha, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, afirmou, em entrevista à TV Globo, que o texto prejudica a transparência, pois não impede a empresa de combinar com o partido a quem repassar a doação, sem que o candidato precise declarar o repasse em sua prestação de contas.
“É preciso verificar se houve algum tipo de benefício prometido ou realizado pelo parlamentar em troca da doação. Já é um trabalho muito difícil de realizar. Se o investigador não saber quem doou para o candidato, fica impossível de saber. Vai se apagar um dos aspectos mais importantes da investigação”, afirmou o juiz.
"O que vai acontecer agora é que um doador vai dar R$ 1 milhão para o partido, mas R$ 900 mil era para fulano de tal, determinado candidato. Acho que isso [não declarar a origem do dinheiro] compromete a transparência. Você não vai saber para quem a empresa doou. Prejudica o princípio da transparência e mascara de uma certa forma a doação", complementou o ministro.

Presidente do TSE, o ministro Dias Toffoli, declarou ser contra a alteração e que o tema será debatido pelo tribunal novamente no ano que vem. "Penso que o certo era manter a obrigação em sempre informar a origem dos recursos. Isso será debatido pela Corte quando da votação das resoluções para 2016", disse.
Críticas
O juiz eleitoral Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa e integrante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, diz que a nova legislação foi aprovada com o "propósito claro" de impedir os eleitores de saberem quem os financiou.

"Se impede que um candidato tenha o nome vinculado a empresas envolvidas em escândalos e vice-versa. Impede identificar empresas não querem ver seu nome ligada a políticos comprometidos", diz o juiz. "Impede que as pessoas saibam as empresas da Lava Jato que doarão para políticos em 2016", completa.

Reis lembra que uma das principais investigações da Operação Lava Jato se dá sobre as doações eleitorais feitas por grandes empreiteiras a políticos. Em várias delas, o Ministério Público suspeita que elas são oriundas de valores desviados da Petrobras, pagos em forma de propina aos políticos, por permitirem sua contratação.

O presidente Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, contrário à própria doação por empresas, também criticou a mudança, classificando-a de "desserviço ao Brasil".
"A resolução do TSE implementou uma antiga aspiração da sociedade brasileira assegurando transparência nas doações de campanhas. A nova lei vai na contramão da história e é um desserviço ao Brasil justamente num momento em que queremos aprofundar o conhecimento sobre doadores", disse.
Aprovação
Questionado pelo G1 sobre a aprovação da regra, o relator do projeto da reforma na Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), culpou o Senado pela redação. Ele disse que, como não houve "polêmica" durante sua votação final pelos deputados, acabou sendo aprovado.
"Foi um tema que não gerou polêmica, como ninguém tratou dele comigo, ficou. Não houve polêmica com ele na Câmara por ter sido a votação muito rápida. Cabe agora à presidente decidir", disse o parlamentar, em relação à possibilidade de veto pela presidente Dilma Rousseff.
Ele admitiu, no entanto, ter notado a inclusão dele no texto que veio do Senado. "Eu vi. Eu só tratei do que teve polêmica. Me concentrei naquilo que teve polêmica. Como não teve polêmica, deixei".
Durante a votação final do texto no Senado, o relator do projeto na Casa, Romero Jucá (PMDB-RR), defendeu que mudanças propostas ao texto que permitiam identificar as doações fossem rejeitadas, porque, na versão aprovada pelos senadores, as empresas sequer poderiam doar para campanhas eleitoais, de partidos ou de candidatos.

Autor das propostas, o senador Antônio Reguffe (PDT-DF) defendeu na sessão que a rastreabilidade fosse mantida, mesmo que somente para doações de pessoas físicas. Mesmo assim, Jucá se manteve contrário.

"Eu vou dar um parecer contrário, porque acho que uma pessoa física que doa um recurso para um partido não pode ter seu nome seguido para um candidato a vereador na ponta, que ele não conhece, porque ele não doou para aquele vereador. Como é que a pessoa física vai estar ligada a isso?", afirmou Jucá durante a discussão no plenário do Senado.

"Se o candidato aceita o recurso, é justo que o eleitor desse candidato saiba qual é a origem desse recurso. Apenas isso", rebateu Reguffe. Ao final da votação, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sequer colocou as propostas de identificação em votação, por considerá-las "prejudicadas", já que a doação por empresas estava sendo rejeitada.


G1 

0 Comments: