Escritora de Nova Palmeira escreve artigo e se destaca no site do Tribuna do Norte

Escritora de Nova Palmeira escreve artigo e se destaca no site do Tribuna do Norte

Nivaldete Ferreira é natural de Nova Palmeira (Foto: Reprodução)
Tinha chovido muito
Por Nivaldete Ferreira

As notícias de chuva sobre os nossos míticos sertões trouxeram-me à superfície da mente uma das mais fortes lembranças de todas que guardo.

No tempo das grandes chuvas em Nova Palmeira-PB, tomava corpo um rio que passava por trás das casas, a uns 200 metros, com uns 15 de largura e talvez 1 de profundidade. Um riozinho sem nome, só rio. Rio de inverno. Nada a ver com o Tejo, o Amazonas, muito menos com o Ganges. Era só o provisório rio da minha aldeia, sempre um recém-nascido que continuava a correr quando a chuva parava. Hoje não passa mais por lá. O progresso deve tê-lo desviado ou a Natureza fugiu com ele para outro lugar, mas ele ficou, irremovível, na minha memória, mesmo quando não me lembro. Só quando chove, como agora, sobre os sertões.

Tinha chovido muito lá, naquele dia. Quando a chuva cessou, no começo da tarde, meu pai foi visitar seu outro povo, o gado, num sítio a 1 quilômetro de casa, depois do rio. Queria sempre ver como estavam vacas e touro, nessas ocasiões. Percebi seu cuidado e fui atrás, sem avisar. Ele estava chegando à outra margem quando eu começava a travessia. E logo veio a sensação de tontura, ao ver a água passando, passando ligeira, barrenta e espumosa. Embaixo dos pés, a areia sumia rapidamente, fazendo uma espécie de cócega, e eu ficando cada vez menor para a volumeza líquida. Ensaiei uns chamados: pai!, pai!, espere por mim! Pai, venha me buscar! Mas ele não podia ouvir aquela voz fraca, tremida de medo e abafada pelo manto de água. Foi a minha primeira grande aflição na vida, aí pelos 10 anos. Pavor de ser levada pelas águas, sem me justificar com a minha mãe, que por certo ralharia feio comigo, se eu escapasse e contasse. Sem perguntar a meu pai: por que você não ouviu os meus gritos e não olhou para trás?...

Criança não tem medo de morrer, tem medo de ir embora... E acho que o nosso espírito traz conhecimentos que só são ativados em hora de extrema necessidade. E vão além do tal instinto de preservação. Pois em meio a toda aquela impotência, ocorreu-me a ideia de tentar caminhar de volta, mas erguendo as pernas a cada passo, como ave pernalta (até então eu não sabia desse tipo de ave). Nada de arrastar os pés. Seria o fim. Então fiz o procedimento e deu certo, tanto é assim que estou evocando esse desespero vivido com o testemunho indiferente das águas. 

As águas... Elas são poderosas, não pensam nem sentem. Ou será que sim, que foram elas que me disseram o que fazer?... Seja como for, delas escapei, mas não do mundo. Por isso mesmo.


Reprodução do site Tribuna do Norte

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